Data publicação: 13 de setembro de 2017
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Símbolo da tragédia com o césio-137, ocorrido há 30 anos, em Goiânia, a menina Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, foi uma das quatro pessoas que morreram por causa da contaminação com o material radioativo. Tia da criança, a dona de casa Luiza Odet dos Santos, 58 anos, morava no mesmo lote que a sobrinha e se recorda com carinho da menina que sonhava em ser modelo e estava sempre com um sorriso no rosto.

Como foi o acidente?

O acidente começou na manhã de um domingo, dia 13 de setembro de 1987, quando a peça de chumbo e metal, que tinha a cápsula de césio no meio, foi levada do antigo Instituto Goiano de Radiologia, na Avenida Paranaíba, para a casa de um dos catadores, na Rua 57, no Centro de Goiânia. Dias depois, a peça foi revendida para Devair Ferreira e, em 24 de setembro, o irmão dele e pai da Leide, Ivo Alves Ferreira, foi visitá-lo e levou fragmentos de césio para a casa da família.

No mesmo dia em que Leide foi contaminada, Luiza Odet também teve contato com o césio-137, justamente, por causa de um pedido da sobrinha. A dona de casa se recorda com riqueza de detalhes do dia 24 de setembro.

“A Leide me chamou: ‘Titia, vem ver a pedrinha brilhante que o papai trouxe’. Aí eu entrei no quarto, e ela mesma apagou a luz. Realmente, brilhava muito, parecia até soltar raios”, se recorda.

Luiza Odet conta que o pai de Leide também estava no quarto e passou o papel em que tinha colocado o césio pelo corpo da prima para que ela “ficasse bonita”. Onde houve contato, a dona de casa sofreu lesões.

Em seguida, Luiza Odet pegou uma pedrinha e levou para casa. Foi quando o marido dela, Kardec Sebastião dos Santos, 61 anos, foi contaminado acidentalmente, pois não se interessou pelo material.

Luiza Odet acredita que, por um milagre, os quatro filhos dela não tiveram contato direto com o césio. “Nesse dia, não sei o motivo, meus meninos não brincaram junto com a Leide, se tivessem brincado, teriam se contaminado muito também. Hoje também me marca muito que tive de parar de amamentar minha filha mais nova aos 7 meses, se mamasse, eu tenho certeza que não tinha mais minha filha porque caiu césio no meu seio, tive lesão aberta, e ela ia ingerir”, ressaltou.

Descontaminação

Ao todo, foi constatada a contaminação pelo césio-137 em 249 pessoas. Neste grupo, 129 tinham rastros da substância interna e externa ao organismo. A Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) calculou ainda que 49 pessoas foram hospitalizadas, sendo que 20 necessitaram de cuidados médicos intensivos.

Luiza Odet, Kardec, Ivo e Leide estão entre as 14 pessoas que foram transferidas de Goiânia para o Hospital Marcilio Dias, no Rio de Janeiro, para a descontaminação. “Eu não tinha noção do que era, não imaginava que a gente ia ficar hospitalizado o tempo que ficamos isolados”, se recorda Luiza.

De acordo com a dona de casa, apesar da gravidade do quadro de saúde, Leide das Neves continuava espalhando alegria na unidade de saúde. “Ela ganhava muitos brinquedinhos, pegava bandejinha e fazia de conta que servia cafezinho nos quartos. Ela ia mancando porque tinha uma lesão na sola do pé”, relata.

Tio de Leide e irmão de Ivo, Odesson conta que a preocupação da menina com o pai marcou muito o irmão. “Se ela percebia que ele estava chorando, perguntava o motivo, e ele dizia: ‘Não é nada, é cisco que caiu no olho´. E ela dizia: ‘Fica tranquilo, estou bem’. Mas ela já estava prostrada”, diz.

No mesmo dia da morte de Leide, 23 de outubro de 1987, morreu Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, tia da menina e mulher de Devair. Foi ela quem decidiu levar o aparelho de radioterapia à Vigilância Sanitária, quando se descobriu o tragédia.

Naquela mesma semana, faleceram também dois jovens, Israel Batista dos Santo, de 22 anos, e Admilson Alves de Souza, de 18, que eram funcionários do ferro-velho de Devair. Estes quatro mortos são os únicos contabilizados pelos dados oficiais, que reconhecem ainda que outros quatro tiveram danos na medula óssea e oito tiveram síndrome de radiação aguda.

Fonte: G1